quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Uma nova vida

Um dos princípios que moldou a forma como equacionei a reformulação do jardim foi a sustentabilidade ambiental do espaço. A escolha de métodos de produção sustentáveis foi uma questão que nunca se colocou desde a génese do jardim. Sei, sem quaisquer dúvidas, que é o caminho a seguir e encaro-o como uma escolha óbvia. 

Frequentemente, nos meus estudos e caminhadas pelo campo, deparo-me com claros indícios que evidenciam a saturação do modelo de produção agro-industrial. Há uma alarmante redução da biodiversidade e os solos estão cada vez mais pobres e degradados. 

Embora a utilização de produtos fito-farmacêuticos esteja fora de questão desde o início do jardim, na minha procura intuitiva pela sustentabilidade procurei ir além disso. Por isso, o primeiro ano de gestão do jardim foi, na realidade, um ano-experiência. 

Durante este período tentei compreender os limites de produção do solo, a sua fertilidade e estrutura; saber a posição do jardim face ao trajecto do sol, quais os ventos predominantes, entre outras coisas. Ao mesmo tempo tentei compreender melhor os ciclos e ritmos da Natureza e tentar incorporar aquele aparente caos selvagem, mas meticulosamente equilibrado, na construção do jardim. À semelhança dos seres humanos, percebi que quanto mais saudável a planta fosse, mais capacidade teria para resistir a doenças e pragas. 

Rapidamente tomei consciência que o solo, estava morto. Os sinais da existência de vida, fundamentais para a saúde do solo e das plantas, eram inexistentes. As minhocas  ou os insectos polinizadores encontradas em todo o jardim podiam ser contados pelos dedos de uma mão. Além disso, por ser arenoso, tinha grandes carências nutricionais, drenava rapidamente e por isso era mais propenso a secar. 

Ao mesmo tempo, a predominância de areia no solo e a orientação geográfica (sudoeste) faziam-no aquecer rapidamente. Nos meses de Verão, com temperaturas habitualmente próximas dos 40 graus ou superiores, estes factores tornavam-se num caso de risco para a sobrevivência de algumas plantas. 

Assim, o jardim precisava de mais sombras, o solo carecia de melhorias ao nível da fertilidade e da sua estrutura, e as plantas a serem introduzidas teriam de ser criteriosamente escolhidas de acordo com a sua capacidade de adaptação às condições existentes.    

Assim, foi incorporada imensa matéria orgânica no solo para melhorar a fertilidade, estrutura e capacidade de retenção de humidade do solo, e foram introduzidos arbustos autóctones e árvores de fruto para providenciar sombra, protecção e frutos. 

Visto um pouco mais de perto, e terão essa oportunidade ao longo das várias publicações que aqui serão feitas, existem outros elementos que denotam esta escolha pela sustentabilidade. Aqui, todos os materiais utilizados, quer na construção da estrutura do jardim quer na melhoria do solo têm, quase na totalidade, origem local e totalmente natural. Quer sejam pedras, canas, folhas de árvores, estacas ou varas de madeira, tudo é obtido no espaço natural circundante. 

Para além da já habitual mas imprescindível compostagem e da rotação de culturas, tornou-se prática recolher as folhas das árvores que no Outono cobrem o chão do jardim para fazer composto de folhas. A decomposição demora mais tempo mas vale muito a pena pelas suas múltiplas funções.  

Para além disso, a combinação de flores e legumes no jardim, através da conjugação de plantas que beneficiam mutuamente da presença próxima de ambas revelou-se um aliado imprescindível na prevenção de doenças e de pragas e, em simultâneo, um banquete para os sentidos.  

A cenoura, sempre vulnerável ao ataque da mosca da cenoura, poderá ser protegida quando plantada junto de legumes, como a salsa ou qualquer planta da família dos alliuns (cebola, chalota, cebolinho, alhos, alho francês) cujo cheiro ofusca o aroma da cenoura ao qual a mosca é sensível. 

Flores como as calêndulas ou os cravos da Índia são muito úteis no combate a pragas nefastas para os legumes; as consoldas (Symphytum officinalee as urtigas permitem obter óptimos fertilizantes líquidos e, em geral, as flores permitem atrair insectos benéficos, como as abelhas ou as borboletas que são fundamentais para a polinização das plantas. 

Depois do trabalho feito ao longo deste ano, agrada-me ver que lentamente, o jardim voltou a respirar e a ser apelativo para pessoas e insectos. O solo tem hoje uma cor diferente, um agradável cheiro terroso e pulula de vida. Os preciosos cogumelos voltaram a eclodir um pouco por toda a parte (para alegria da minha namorada que os adora), e muitos insectos e pequenos répteis fizeram do jardim a sua casa permanente. Para meu encanto, deparei-me esta Primavera a ver o tempo parar enquanto apreciava o voo de um beija-flôr entre as flores. Foi uma prenda.

É claro que continuo a ter algumas doenças e insectos indesejáveis e provavelmente terei sempre. Mas isso não me preocupa. Agora posso confiar a tarefa de os combater à capacidade que a Natureza tem para repor equilíbrios. Apesar da pequenez do espaço, há mais do que o suficiente para todos, pessoas e animais. Frequentemente dou comigo a oferecer ou a vender pequenos cabazes de legumes e frutas da época que tenho em excesso.  

Curiosamente, a opção biológica é praticamente isenta de custos. É claro que tenho de recolher os materiais de que necessito na paisagem circundante e carregá-los até ao jardim que, para lamento temporário das minhas costas, fica no cimo de uma colina. Mas até aqui há vantagens. Poupo na conta do ginásio e tenho a oportunidade de passear pelo campo; de descer até à ribeira e ouvir o som da água entre as rochas, de ver o olival repousado num cobertor de camomilas no início da Primavera, de ver flores selvagens, e até de encontrar uma surpresa ou duas.  

Claro que, no fim de contas, este é um trabalho para manter. Nunca nada está realmente terminado, mas ao mesmo tempo nenhum dia é igual. Cada manhã, ao acordar, é uma surpresa aqui no jardim. Há novas plantas a germinar, outras a crescer, ou ainda outras a florir. O processo nunca acaba, mas também nunca se repete da mesma forma. E é por isso que gosto de aqui estar. 



Cravos da Índia (atrás) plantados junto aos tomateiros 




As cenouras (Chanteney) protegidas por uma barreira de salsa


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